As doenças cardiovasculares e os transtornos psiquiátricos são muito prevalentes na população geral e comumente coexistem.
Os portadores de diversos transtornos psiquiátricos como a esquizofrenia, a depressão e o transtorno bipolar apresentam taxas de mortalidade 2-3 vezes maiores que a população geral, sendo as doenças cardiovasculares as mais incriminadas.
O aumento das doenças cardiovasculares nesse grupo de pacientes é multifatorial e inclui fatores não modificáveis como a genética, a idade e o sexo, assim como fatores modificáveis como a ingestão alcoólica, a dislipidemia, a hipertensão, a obesidade, o sedentarismo e o tabagismo.
Os antipsicóticos podem induzir a ganho de peso, agravando ainda mais a chance de desenvolver doenças cardiovasculares. Esse grupo de pacientes muitas vezes tem acesso restrito a consultas médicas gerais, o que pode ocasionar controles inadequados da hipertensão, dislipidemia e diabetes mellitus.
Frequentemente, os antipsicóticos são a base do tratamento de transtornos psiquiátricos como a esquizofrenia e o distúrbio bipolar.
Efeitos adversos graves como arritmias e morte súbita, podem ocorrer mesmo naqueles sem história prévia de doenças cardíacas. É fundamental uma avaliação cuidadosa e um julgamento clínico criterioso antes de prescrevê-los.
Efeitos colaterais dos antipsicóticos em condições cardiovasculares
Pacientes com esquizofrenia têm uma expectativa de vida reduzida em cerca de 20% em comparação a população geral, sendo a doença cardiovascular a principal causa de morte. A maior parte dos antipsicóticos possui efeitos colaterais cardiovasculares adversos, dobrando o risco de morte súbita.
Os antipsicóticos de segunda geração ocasionam efeitos colaterais metabólicos como ganho de peso, dislipidemia e predisposição a diabetes mellitus tipo 2, o que não é desejável em pacientes com cardiopatia.
Os efeitos colaterais dos antipsicóticos em condições cardiovasculares são:
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Aumento do intervalo QTc
Na atualidade a maior preocupação referente aos efeitos cardiovasculares dos antipsicóticos diz respeito ao prolongamento da repolarização cardíaca (aumento do intervalo QT) e aumento do risco de arritmias ventriculares, Torsades de Pointes (TdP) e morte súbita.
Os pacientes cardiopatas devem realizar ECG ao iniciar o tratamento e a cada aumento de dose para mensuração do intervalo QTc.
Os antipsicóticos são categorizados de acordo com o seu risco em aumentar o intervalo QTc:
- Sem risco de prolongamento do QTc ou TdP: aripiprazol, olanzapina e zuclopentixol.
- Propensos a prolongamento do QTc: amisulprida, clozapina, levomepromazina, paliperidona, quetiapina, risperidona e sulpirida.
- Pronunciado prolongamento do QTc, casos documentados de Torsade de Pointes e/ou outras arritmias graves: haloperidol, pimozida e ziprasidona.
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Taquicardia sinusal (TS)
A maior parte dos antipsicóticos aumenta a FC em torno de 10-15bpm, o que é mais pronunciado no início do tratamento e durante o escalonamento da dose.
O risco de TS é maior com os antipsicóticos com alta afinidade para os receptores muscarínicos como a clozapina, quetiapina, risperidona e os antipsicóticos de primeira geração de baixa potência como a clorpromazina.
Por outro lado, o risco é mais baixo com outros antipsicóticos de segunda geração como olanzapina, ziprasidona e aripiprazol.
Na fase inicial, a titulação mais lenta dos antipsicóticos pode diminuir o risco de taquicardia sinusal.
Enquanto a TS é transitória com a maior parte dos antipsicóticos, esse não é o caso com a clozapina, a qual pode ocasionar aumento substancial da FC.
A TS é um efeito colateral indesejável, particularmente em coronariopatas e deve ser monitorada.
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Variabilidade da FC
Outro dos efeitos colaterais dos antipsicóticos em relação a condições cardiovasculares é a variabilidade da FC.
A clozapina está associada a diminuição da variabilidade da FC o que é um preditor de IAM e morte cardíaca súbita, como também a progressão da doença arterial coronariana e da insuficiência cardíaca.
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Hipotensão Ortostática (HO)
O mecanismo pelo qual os antipsicóticos causam HO é através do bloqueio dos receptores alfa adrenérgicos. A HO pode ainda ser potencializada pelo efeito sedativo de alguns antipsicóticos de segunda geração como a clozapina.
O escalonamento mais lento das medicações antipsicóticas pode diminuir o risco de HO.
Os antipsicóticos mais incriminados são os de primeira geração de baixa potência (ex.: clorpromazina) e os de segunda geração como a clozapina e a quetiapina.
Os antipsicóticos menos incriminados são os de primeira geração de alta potência como o haloperidol e a flufenazina e os de segunda geração como o aripiprazol, a olanzapina, a risperidona e a ziprasidona.
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Hipertensão arterial
Evidência de efeito hipertensor dos antipsicóticos é limitada e contraditória.
Há um possível aumento de risco com os antipsicóticos de primeira geração de potência intermediária como a perfenazina e os antipsicóticos de segunda geração como a clozapina, a olanzapina e a ziprasidona.
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Infarto agudo do miocárdio (IAM)
Comumente os IAMs em pacientes esquizofrênicos não são detectados devido à ausência de dor.
A relação entre IAM e antipsicóticos não é clara.
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Miocardite
A miocardite (inflamação do miocárdio) também pode estar entre os efeitos colaterais dos antipsicóticos. Quando associada a antipsicóticos constitui uma reação de hipersensibilidade do tipo 1.
Os principais fatores de risco são história de infecção viral, bacteriana ou parasitária recentes, alergia confirmada a clozapina, história de IAM, pericardite, miocardiopatia e insuficiência cardíaca.
Comumente subdiagnosticada e subtratada pode evoluir para fibrose do miocárdio, arritmias ameaçadoras a vida e, eventualmente, morte súbita, ocorrendo dentro dos primeiros meses de tratamento.
Os sintomas mais comuns são sintomas gripais, febre, fadiga e dispneia. O diagnóstico é confirmado por biomarcadores (inflamação, necrose miocárdica, etc), ECG, ecocardiograma e ressonância nuclear magnética do coração.
A clozapina é de longe o principal antipsicótico envolvido. Outras incriminados são a clorpromazina, a flurfenazina, o haloperidol, a olanzapina, a quetiapina e a risperidona.
Na suspeita de miocardite, o antipsicótico deve ser suspenso e, se indicado, tratamento com corticosteroides.
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Miocardiopatia
A miocardiopatia é definida como a deterioração da função do miocárdio e constitui um evento adverso cardiovascular menos frequente. Usualmente do tipo dilatada, pode ser causada por uma miocardite não tratada.
A clozapina constitui o antipsicótico mais incriminado. Outros relacionados são a amisulprida e a quetiapina.
O diagnóstico deve ser suspeitado na presença de sintomas como fadiga, dispneia e taquicardia. O ECG pode apresentar anormalidades do seguimento ST, onda P e onda T, além de sinais de hipertrofia ventricular esquerda (HVE); entretanto, esses achados são inespecíficos. O diagnóstico é confirmado através do ecocardiograma.
Confirmada a miocardiopatia, o antipsicótico deve ser suspenso e o tratamento para a insuficiência cardíaca instituído.