A demência rapidamente progressiva (DRP) é aquela que evolui rapidamente, geralmente em período inferior a 2 anos, mais comumente em menos de 1 ano.
Considerando que muitas DRPs são passíveis de tratamento e reversão do quadro, o diagnóstico torna-se uma urgência médica.
A demência rapidamente progressiva pode ter etiologia neurodegenerativa, vascular, infecciosa, imunomediada, tóxi-metabólica, tumoral e psicogênica. O prognóstico depende da causa subjacente.
Entre as DRP, a doença por príon é a mais frequente. Veja a seguir um caso de demência rapidamente progressiva.
Demência rapidamente progressiva: caso clínico
Um paciente de 69 anos, do sexo masculino, foi internado devido a quadro de declínio cognitivo rápido de início há 2 meses, associado a distúrbio visual, disartria, ataxia e disfagia. Até recentemente, ainda trabalhava como médico.
Na história médica pregressa apresentava hipertensão arterial sistêmica em uso de inibidor da enzima conversora de angiotensina, enalapril e doença do refluxo gastroesofagiano, em uso de inibidor de bomba de próton, omeprazol.
Não havia relato de distúrbio do humor ou déficit cognitivo prévio e vivia uma vida independente na comunidade até o início da moléstia atual.
O exame físico dos aparelhos cardiovascular, respiratório e digestivo não apresentava alterações.
Na avaliação do sistema nervoso não apresentava déficits neurológicos focais, a força muscular estava preservada, porém com hiperreflexia global e presença de mioclonias.
O rastreio cognitivo não foi realizado por pouca cooperação do paciente, assim como a avaliação do humor.
A rotina básica de sangue estava dentro da normalidade, incluindo VDRL e HIV. Exames de urina também eram inocentes.
O eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal regular, com intervalo QT dentro da normalidade. O ecocardiograma não apresentou déficits segmentares, comfração de ejeção de 66%.
A tomografia de crânio não apresentava lesões isquêmicas e/ou expansivas.
A tomografia de tórax e abdome foram normais.
A impressão diagnóstica foi de demência rapidamente progressiva a esclarecer, tendo sido solicitado interconsulta com a Neurologia.
Revisão da anamnese
- Sem história de cirurgias ou internações hospitalares
- História familiar sem relato de demências, doenças priônicas e/ou outras informações de importância
- Sem relato de viagens internacionais
O exame neurológico demonstrava:
- Paciente pouco cooperativo e hipervigil
- Hiperreflexia global
- Presença de mioclonias.
- Força muscular: sem alterações
- Nervos cranianos: sem alterações
Foram solicitados exames complementares adicionais:
- Rotina liquórica com estudo citoquímico e microbiológico: sem alterações
- Provas reumatológicas (C3, C4, CH50, FAN, FR, cANCA, pANCA, antiRo e anti La): negativas.
- Eletroencefalograma: atividade trifásica periódica.
- Ressonância nuclear de encéfalo: alterações na sequência FLAIR e difusão, nos núcleos caudados e dos putaminais
O paciente evoluiu com piora neurológica progressiva. Uma nova punção liquórica foi realizada para a pesquisa de proteína 14-3-3 que foi positiva (indicativa de destruição neuronal significativa e rápida).
O paciente evoluiu com mutismo, rigidez global e rebaixamento de sensório.
Diagnóstico final
O diagnóstico final foi de demência rapidamente progressiva – doença de Creutzfeldt-Jakob, foram então instituídas medidas paliativas e o paciente evoluiu para óbito cerca de um ano após o início dos sintomas.
A doença de Creutzfeldt-Jakob
Entre as doenças priônicas humanas, a doença de Creutzfeldt-Jakob, embora rara, é a mais prevalente. Quatro formas são reconhecidas:
- Creutzfeldt-Jakob esporádica: 85-95% dos casos
- Creutzfeldt-Jakob familiar
- Creutzfeldt-Jakob iatrogênica: associada a procedimentos cirúrgicos (ex.: transplante de córnea, uso de instrumentos neurocirúrgicos contaminados, etc.)
- Creutzfeldt-Jakob, forma variante
A incidência é de aproximadamente 1 caso da doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica para 1.000.000 habitantes por ano no mundo e a idade média da forma esporádica é de 57-62 anos.
Na apresentação clínica ocorre:
- Deterioração cognitiva: demência, alterações comportamentais e déficits envolvendo as funções corticais superiores (manifestações extrapiramidais, cerebelares e mioclonia).
- Dificuldades de concentração, de memória e do julgamento são frequentes em estágios iniciais.
- Alterações de humor como apatia e depressão são comuns. Euforia, labilidade emocional e ansiedade ocorrem com menos frequência.
- Alterações do sono, particularmente hipersonia, mas também insônia são comuns.
- Com a progressão da doença, a demência se torna dominante na maioria dos pacientes e pode progredir rapidamente.
- Mioclonias estão presentes em mais de 90% dos pacientes em algum momento da doença.
- Sintomas extrapiramidais como hipocinesia e manifestações cerebelares incluindo nistagmo e ataxia ocorrem em aproximadamente 2/3 dos pacientes e são sintomas de apresentação em 20-40%.
- Sinais de envolvimento do trato corticoespinhal ocorrem em 40-80% dos pacientes, incluindo hiperreflexia, sinal de Babinski e espasticidade.
A doença deve ser suspeitada em todos os pacientes que apresentam demência rapidamente progressiva, particularmente se acompanhada de mioclonias, ataxia e/ou distúrbios visuais.
Os critérios diagnósticos são:
- Demência progressiva
- Pelo menos duas das seguintes alterações: mioclonias, distúrbios visuais ou cerebelares, disfunção piramidal/extrapiramidal, mutismo cinético
- Eletroencefalograma típico e/ou proteína 14-3-3 positiva no líquido cefalorraquidiano, associado a morte do paciente em menos de 2 anos e/ou ressonância nuclear magnética com anormalidades sugestivas (ex.: sinal em núcleos caudados e/ou putâmen)
- A investigação diagnóstica não sugere outro diagnóstico
A biópsia cerebral constitui o padrão ouro no diagnóstico.
Não existe tratamento efetivo e a doença é inexoravelmente fatal. A morte usualmente ocorre dentro de 1 ano do aparecimento dos sintomas, sendo a expectativa de vida média de 6 meses.