A depressão breve recorrente (DBR) ocorre de forma espontânea ou pode ser desencadeada por estressores psicossociais leves. Persiste por alguns dias e então regride espontaneamente. A doença está associada a comprometimento psicossocial e aumento do risco de comportamento suicida.
A prevalência durante a vida é de 12,5%. Diferentemente da depressão maior, a ocorrência entre homens e mulheres é similar (1 para 1,3). Comumente é subdiagnosticada e subtratada.
Saiba mais sobre depressão breve recorrente acompanhando o caso clínico.
Depressão breve recorrente: caso clínico
Uma paciente de 60 anos, do sexo feminino, procurou o ambulatório com queixa de humor deprimido, hipersonia, irritabilidade, queixas subjetivas de perda de memória e dificuldade de concentração e atenção, que atribuía a problemas financeiros, agravados no último ano.
Na história médica pregressa apresentava osteopenia densitométrica em coluna lombar e hipovitaminoses D e B12 em reposição. Não havia relato de distúrbio do humor ou déficit cognitivo prévio e vivia uma vida independente na comunidade.
O exame físico dos aparelhos cardiovascular, respiratório, digestivo e neurológico não apresentava alterações.
O rastreio cognitivo através do mini exame do estado mental estava normal (30/30, escolaridade > 8 anos).
Na avaliação do humor não preencheu critérios para depressão maior, distimia ou transtorno bipolar de acordo com o DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5.ª edição).
A rotina básica de sangue estava dentro da normalidade com exceção de TSH elevado (88 mUI/mL, valor de referência 0,3 a 5,0 mUI/mL) e T4 livre diminuído (0,50 ng/dL, valor de referência 0,75 a 1,80 ng/dL). Anticorpos antitireoidianos eram negativos.
O eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal regular, com intervalo QT dentro da normalidade.
Os exames de imagem (ultrassom da tireóide, radiografia de tórax e tomografia de crânio) estavam normais.
Impressão diagnóstica
A impressão diagnóstica inicial foi de hipotireoidismo e distúrbio do humor secundário à disfunção tireoidiana. A conduta inicial foi iniciar levotiroxina com ajuste de dose progressiva.
Após quatro meses, a função tireoidiana se normalizou, mas os sintomas relacionados ao humor persistiram.
Entrevista com o marido revelou que os sintomas iniciaram há aproximadamente dois anos, estando presentes praticamente todos os meses por cerca de 1 a 2 semanas, quando então apresentava remissão espontânea.
Ele revelou ainda que a esposa já fez uso de estabilizador do humor lamotrigina durante meses, não tendo sido observada qualquer resposta. Desde essa época a paciente recorre mensalmente a suporte espiritual, a qual acredita ser a razão da melhora dos sintomas.
Após o controle da função tireoidiana e a entrevista com o marido a impressão diagnóstica definitiva foi de depressão breve recorrente.
Condutas adotadas
- 1º Passo: inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS) paroxetina, suspensa por intolerância gástrica importante.
- 2º Passo: ISRS sertralina com aumento de dose até 150mg, sem resposta.
- 3º Passo: antidepressivo antagonista de adrenorreceptores alfa-2, mirtazapina com aumento de dose até 45mg: resposta parcial.
- 4º Passo: mantida mirtazapina e encaminhada à psicoterapia.
Critérios diagnósticos para Depressão Breve Recorrente (DSM-V):
- Presença concomitante de humor depressivo e pelo menos quatro outros sintomas de depressão.
- Por 2 a 13 dias pelo menos uma vez por mês (não associados ao ciclo menstrual).
- Por pelo menos 12 meses consecutivos.
- O indivíduo nunca preencheu critérios para qualquer outro transtorno depressivo ou bipolar.
- Atualmente não preenche critérios para transtorno psicótico.
Principais diagnósticos diferenciais:
- Depressão maior.
- Transtorno do pânico.
- Transtorno disfórico pré-menstrual.
- Transtorno de personalidade borderline.
- Transtorno bipolar de ciclo rápido ou ultra rápido.
- Outros transtornos afetivos como depressão menor, transtorno bipolar, distimia.
- Depressão induzida por drogas
Tratamento da depressão breve recorrente.
No momento, não existem evidências claras quanto ao tratamento mais adequado. A eficácia de várias drogas, incluindo antidepressivos e estabilizadores do humor, é controversa.
Os antidepressivos podem ser prescritos em uma tentativa farmacológica inicial e os estabilizadores de humor como uma segunda opção.