Publicações

Conteúdos pela equipe iGeriatria

Receba Nossa newsletter

    Cetamina no tratamento da depressão maior em idoso

    Apresentamos a seguir um caso clínico com o uso da cetamina objetivando uma resposta rápida de quadro depressivo maior grave em idoso fragilizado de 94 anos.

    Homem de 94 anos foi admitido na Unidade de Geriatria do Hospital dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG) com queixa de astenia e importante perda de peso nos últimos 4 meses (cerca de 10% do peso corporal).

    Problemas médicos prévios:

    • DPOC assintomática
    • Neoplasia prostática tratada cirurgicamente com sucesso
    • Diverticulose colônica
    • Hipovitaminose B12
    • Não fazia uso de medicamentos, exceto injeções de vitamina B12.

    Na admissão apresentava sinais de desidratação e desnutrição.

    O exame físico dos aparelhos pulmonar, cardíaco, abdominal, locomotor e neurológico estavam normais.

    Na avaliação cognitiva, pontuou 26/30 no mini exame do estado mental (MEEM).

    Exames complementares:

    • Revisão laboratorial, eletrocardiograma, radiografia de tórax, endoscopia digestiva alta e tomografia computadorizada de abdome e tórax: normais.

    Um quadro de depressão maior grave sem sintomas psicóticos foi diagnosticado, após descartar comorbidades clínicas de importância. A escala de depressão geriátrica (GDS) foi de 11/15 e a CGI-S (Clinical Global Impression Severity Scale) foi de 6.

    O paciente não relatava história pregressa de depressão.

    Os sintomas iniciaram aproximadamente 3 anos antes da hospitalização, após a morte da esposa.

    Uma piora clara ficou evidente nos últimos 4 meses. Desde então sentimentos de desesperança e pensamentos de morte se tornaram frequentes. O apetite reduziu de forma significativa, assim como a interação com os familiares diminuiu marcadamente.  Evoluiu também com perda do interesse pelas atividades de vida diária, passando a maior do tempo na cama.

    A escolha pela Cetamina

    Considerando a idade do paciente e a gravidade dos sintomas depressivos, uma resposta antidepressiva rápida era necessária.

    O uso de antidepressivos poderia levar um tempo inaceitavelmente longo para ser eficaz com risco de intolerância ou falha terapêutica.

    Devido a fragilidade do paciente a cetamina foi escolhida ao invés da eletroconvulsoterapia. 

    Após hidratação e suporte nutricional, a nossa conduta foi iniciar cetamina subcutânea.

    Foram prescritas três doses de cetamina (0,5mg/kg) em dias alternados.

    O único efeito colateral foi um aumento transitório na pressão arterial sistólica (110mmHg para 160mmHg) com boa tolerância. Os parâmetros vitais como saturação de oxigênio e frequência cardíaca não se alteraram durante as infusões. O paciente não apresentou alucinações, ideias delirantes ou dissociação.

    Após a primeira dose de cetamina, o paciente apresentou sensação de bem estar e sua mobilidade melhorou consideravelmente (CGI-Global Improvement 2).

    Após a segunda dose, uma melhora marcante na fala foi observada (CGI-GI 1).

    Após a terceira dose a melhora foi mantida e os sentimentos de desesperança não foram mais relatados. O seu apetite melhorou substancialmente e houve ganho de peso (CGI-GI 1).

    O paciente recebeu alta do hospital após 20 dias com uma melhora acentuada do seu quadro depressivo. Foi iniciado antidepressivo venlafaxina 75mg com proposta de aumento ambulatorial conforme a necessidade.

    Discussão acerca da depressão maior

    A prevalência da depressão maior aumenta em pacientes com 85 anos ou mais, tanto em hospitais quanto em instituições de longa permanência.

    A depressão maior em pacientes muito idosos com comorbidades clínicas usualmente requer uma resposta rápida. Os antidepressivos apresentam uma resposta baixa e um longo tempo até o início da ação terapêutica (até 12 semanas).

    Assim, eles podem aumentar o fardo da doença e o risco de comportamento suicida. Além disso, a maior parte dos ensaios clínicos controlados e randomizados excluem pacientes mais velhos e com comorbidades, o que resulta em uma evidência limitada para guiar o tratamento.

    A eletroconvulsoterapia (ECT) é considerada o procedimento mais eficaz para tratar depressão em idosos e constitui uma forma segura de tratamento. Aproximadamente 20% dos pacientes não respondem a ECT. Os idosos, especialmente os muito idosos, são mais susceptíveis aos efeitos colaterais cognitivos (delirium) e complicações cardiovasculares.

    Logo, é importante a busca por outras opções de tratamento que apresentem resposta rápida e sejam seguros e bem tolerados em idosos não elegíveis a ECT.

    A cetamina, antagonista não competitivo do receptor glutamatérgico do tipo NMDA (N-metil-D-aspartato), constitui uma droga anestésica usualmente utilizada para analgesia e sedação. 

    Ela tem sido estudada para o tratamento da depressão nos últimos 20 anos. O seu efeito antidepressivo é rápido e robusto em pacientes com depressão maior resistente ao tratamento.

    Uma busca na literatura (Medline 2000 até o presente) utilizando as palavras chave “depressão”, “cetamina” e “muito idoso (> 85 anos)” não identificou qualquer relato de caso conectando cetamina, depressão e muito idoso. 

    Nós apresentamos neste artigo o primeiro relato de caso com o uso da cetamina para o tratamento de depressão maior grave em um paciente muito idoso (94 anos).

    Referência bibliográfica:

    1. Vasconcelos Cunha UG, Lima de Carvalho FBC, Duarte DB, Rocha FL. Ketamine for Rapid Improvement of Major Depression in a Debilitated 94-Year-Old Man: A Case Report. Ann Clin Pharmacol Toxicol. 2021;2(2):1018.

    Autor:

    Equipe iGeriatria

    Equipe iGeriatria

    Doutor Ulisses Gabriel de Vasconcelos Cunha e Doutor Frederico Brina Corrêa Lima de Carvalho
    Dr. Ulisses Gabriel de Vasconcelos Cunha
    Membro Pesquisador Honorário em Medicina Geriátrica pela Universidade de Birmingham - Inglaterra

    Pesquise no nosso Blog

    Ver Próximos
    Cursos