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    Inibidores da Colinesterase em idosos com comorbidades clínicas

    Inibidores da Colinesterase em idosos com comorbidades clínicas

    A demência é uma síndrome clínica caracterizada por uma deficiência cognitiva global e progressiva da memória, raciocínio, linguagem e função executiva. É um processo progressivo e ocasionalmente reversível, interferindo com o desempenho das atividades da vida diária, laborais e sociais. 

    Entre os diagnósticos nosológicos, a doença de Alzheimer (DA) é usualmente a forma mais frequente em vários países.

    As duas classes de medicamentos aprovados para o tratamento da DA são os inibidores de colinesterase (IChE) donepezila, galantamina e rivastigmina e o antagonista não competitivo do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA) memantina.

    Inibidores da colinesterase (IChE) no tratamento da doença de Alzheimer

    Na doença de Alzheimer (DA) o tratamento com os IChE demonstrou, em ensaios clínicos, superioridade ao placebo em parâmetros cognitivos, alterações de comportamento e performance global, com benefício tanto para o paciente quanto para o cuidador. 

    Sabe-se que o perfil usual do paciente com déficit cognitivo e com indicação para IChE é, com frequência, idoso, muitas vezes muito idoso, portador de várias comorbidades clínicas, entre elas doenças cardiovasculares.

    Aparelho cardiovascular 

    Os ensaios clínicos realizados com os IChE indicam que estas drogas são seguras e bem toleradas. No entanto, estes estudos, até o presente, foram realizados em indivíduos relativamente saudáveis. 

    Não se podem extrapolar estes dados a uma população geral de pacientes com doença de Alzheimer muitos dos quais portadores de doenças cardiovasculares e em uso de vários medicamentos. 

    É importante enfatizar que os potenciais efeitos colaterais cardiovasculares destas drogas são mais prováveis de ocorrer em idosos.

    Os possíveis efeitos colaterais cardiovasculares dos inibidores de colinesterase incluem:

    • Hipertensão arterial por mecanismo central.
    • Hipotensão ortostática particularmente em portadores de DA e demência por Corpos de Lewy.
    • Bradicardia por mecanismos periféricos e centrais.
    • Síncope.
    • Arritmia cardíaca. 

    O British National Formulary não menciona qualquer contra-indicação absoluta ao uso de IChE em pacientes com doença  cardiovascular. Recomenda apenas precaução em portadores de doença do nó sino atrial e de distúrbios de condução supraventricular como flutter e fibrilação atrial. 

    Assim, acreditamos que os IChE possam ser prescritos com segurança a idosos com comorbidades cardiovasculares, desde que algumas precauções sejam tomadas:

    • Monitoramento eletrocardiográfico (basal e a cada aumento de dose)
    • Monitoramento da pressão arterial supina e em ortostatismo.
    • Atenção às potenciais interações medicamentosas:
      • Drogas com efeito cronotrópico negativo (bradicardia): betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio não diidropiridínicos (verapamil, diltiazem), antiarrítmicos (amiodarona, digoxina).
      • Drogas com efeito hipertensor comumente prescritas a pacientes com DA: antidepressivos (venlafaxina, bupropiona, duloxetina).
      • Drogas com efeito hipotensor ortostático: antidepressivos (tricíclicos, inibidores da monoaminooxidase, trazodona, nefazodona), antipsicóticos típicos (fenotiazinas) e atípicos em doses altas (risperidona > 2mg, olanzapina > 10mg), antihipertensivos e vasodilatadores em geral.

    Aparelho Respiratório

    O British National Formulary não menciona qualquer contra-indicação absoluta ao uso de IChE em portadores de afecções respiratórias. Recomenda apenas precaução na presença de infecção pulmonar, asma e DPOC. 

    Acreditamos, no entanto, que estes fármacos deveriam ser evitados naqueles pacientes com quadro de asma ou DPOC graves ou mal controlados.

    Aparelho digestivo

    Os principais efeitos colaterais observados em ensaios clínicos foram náusea, vômitos, dispepsia, anorexia, perda de peso, diarréia e dor abdominal.  Com uma prevalência menor podem ocorrer úlceras gástricas e duodenais, sangramento gastrointestinal, disfagia e pancreatite. 

    É importante ressaltar que estes efeitos colaterais são dose dependentes, podendo ser amenizados com a titulação lenta da dose, a administração durante as refeições, a redução da dose, o uso da apresentação transdérmica (rivastigmina) e mesmo o uso de medicação sintomática. 

    Ressalta-se, no entanto, que o efeito cascata (tratamento de efeito colateral de uma droga com outra), deve sempre que possível ser evitado no idoso. 

    O British National Formulary não menciona nenhuma contra-indicação absoluta ao uso de inibidores de colinesterase em portadores de afecções gastrointestinais. Recomenda, no entanto, precaução no indivíduo com úlcera péptica em atividade, e ou história pregressa, bem como na presença de obstrução gastrointestinal. 

    Com relação à doença hepática, a galantamina está contra-indicada na presença de insuficiência hepática grave, mas pode ser utilizada com cautela na doença leve a moderada respeitando uma dose máxima de 16mg/dia. Não há necessidade de ajuste de dose da rivastigmina ou da donepezila, porém, recomenda-se a utilização das menores doses eficazes com titulação lenta.

    As interações medicamentosas dos IChE que devem ser cuidadosamente monitoradas ou mesmo evitadas incluem o uso concomitante de antiinflamatórios não esteróides e ou de antidepressivos fortemente inibidores da recaptação de serotonina, o que pode  aumentar o risco de sangramento gastrointestinal .

    Aparelho genitourinário

    O principal efeito colateral dos IChE no trato genitourinário é a incontinência urinária.  Esta, se já presente, pode ser agravada com o uso dessas drogas. Ocorre também um aumento no risco de hematúria e de infecção urinária. 

    Os IChE podem antagonizar o efeito das medicações anticolinérgicas utilizadas no tratamento da incontinência urinária de urgência tais como a oxibutinina , a tolteradina e a darifenacina.

    O British National Formulary contraindica o uso da galantamina na presença de insuficiência renal grave. Em caso de doença moderada a galantamina pode ser prescrita respeitando a dose máxima de 16mg/dia. 

    Não existe contra-indicação aos demais IChE ( donepezila e rivastigmina) na presença  de insuficiência renal, mas recomenda-se precaução.

    Sistema Nervoso Central

    Os principais efeitos adversos neurológicos dos IChE incluem a  tontura , o tremor, a cefaléia, a sonolência e a insônia.

    Os sintomas extrapiramidais e as crises convulsivas têm sido reportados menos freqüentemente, bem como distúrbios psiquiátricos como a depressão, a alucinação, o comportamento agressivo e os quadros confusionais.

    É importante ressaltar que o uso combinado de IChE e  antipsicóticos pode precipitar e ou agravar  manifestações extrapiramidais tais como distonia, discinesia, síndrome parkinsoniana, acatisia e discinesia tardia.

    Vários casos de síndrome extrapiramidal grave (síndrome parkinsoniana, rigidez e imobilidade) foram relatados em pacientes em uso de antipsicóticos e donepezila.

    Recomenda-se, assim, extrema cautela no uso concomitante desses medicamentos.

    Acreditamos que os IChE devam ser priorizados como drogas de escolha no tratamento dos distúrbios de comportamento dos quadros demenciais em detrimento dos antipsicóticos. 

    Recomendações para a prescrição de IChE em idosos com comorbidades clínicas:

    • Avaliação geriátrica ampla antecedendo a prescrição de IChE na tentativa de identificar possíveis comorbidades clínicas.
    • Aparelho Cardiovascular
        • Monitoramento eletrocardiográfico (basal e a cada aumento de dose)
        • Monitoramento da pressão arterial supina e em ortostatismo.
        • Atenção às potenciais interações medicamentosas.
    • Aparelho Respiratório
        • Radiografia de tórax
        • Espirometria (casos selecionados)
    •  Aparelho Digestivo
        • Provas de função hepática
        • Endoscopia digestiva alta (casos selecionados)
        • Atenção às potenciais interações medicamentosas: risco de sangramento
    • Aparelho Geniturinário
        • Provas de função renal
    • Sistema Nervoso Central
      • Atenção às potenciais interações medicamentosas: aumento do risco de sintomas extrapiramidais 

    Referência bibliográfica:

    • Cunha UGV, Thomaz DP, Marino CG, Balabram K, Marquete CR. Use of cholinesterase inhibitors in elderly patients with clinical comorbidities. Geriatr Gerontol Aging. 2008;2:162-166

    Autor:

    Equipe iGeriatria

    Equipe iGeriatria

    Doutor Ulisses Gabriel de Vasconcelos Cunha e Doutor Frederico Brina Corrêa Lima de Carvalho
    Dr. Ulisses Gabriel de Vasconcelos Cunha
    Membro Pesquisador Honorário em Medicina Geriátrica pela Universidade de Birmingham - Inglaterra

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